fe-em-deus

Embora a religiosidade e a espiritualidade sejam parte integrante da existência humana desde os seus primórdios, a sua definição se mantém controversa no meio científico (1). Por isso, alguns pesquisadores (2) entendem que, diante de seu caráter multidimensional, religiosidade e espiritualidade são mais bem compreendidas como conceitos sobrepostos, já que compartilham características em comum. De uma forma geral, a espiritualidade tem sido entendida como um fenômeno subjetivo da busca pelo sagrado, pelo transcendente, pelo divino e pelos aspectos não materiais (2, 3). Já a religiosidade tem sido compreendida, de maneira mais ampla, como um fenômeno associado à religião e seus sistemas de crenças, rituais, práticas e valores específicos à cada filiação religiosa (2) que, portanto, se caracteriza mais como uma expressão social e compartilhada.

Em um estudo muito interessante, as pesquisadoras Good e Willoughby (4) defenderam a ideia de que a adolescência é um período em que o indivíduo está mais sensível ao desenvolvimento da espiritualidade e o envolvimento com a religiosidade. Os adolescentes estariam mais suscetíveis que as crianças e os adultos a determinados comportamentos como explorar a ideias religiosas, afiliar-se a uma religião e comprometer-se com ela, além de assumir compromissos religiosos que perduram para o resto da vida.

Conforme a mentora Joanna de Ângelis, na obra Adolescência e Vida (9, p.62), “Na adolescência, os ideais estão em desabrochamento, abrindo campo para os postulados religiosos que, bem direcionados, norteiam com segurança os passos juvenis, poupando o iniciante nas experiências humanas a muitos dissabores e insucessos nas diferentes áreas do comportamento (…)”. Assim, fica registrada a importância da adolescência para o desenvolvimento da religiosidade, já que esta etapa da existência caracteriza-se como um período de sensibilidade ao espiritual e ao religioso.

Por outro lado, e tão importante quanto, percebe-se no apontamento da Mentora a importância da religiosidade na adolescência, já que a religião contribui em bem direcionar os potenciais do Espírito, conferindo-lhe segurança e recursos para o enfrentamento de suas adversidades. É o que apontam muitas pesquisas científicas, que indicam uma relação positiva entre religiosidade e comportamentos saudáveis na adolescência, assim como uma relação negativa entre religiosidade e comportamentos sociais negativos (5), como consumo de substâncias tóxicas e delinquência (6). Em outras palavras, quanto mais envolvido com a religiosidade o adolescente esteja, mais provável que ele apresente comportamentos sociais saudáveis e menos comportamentos prejudiciais ao seu bem estar físico, social, psicológico e espiritual. Os benefícios da religiosidade à saúde também são muito comumente apontados pela ciência. Conforme André Stroppa e Alexander Moreira-Almeida (7), por exemplo, um maior envolvimento religioso aparece associado a indicadores de bem-estar psicológico e também a um menor índice de depressão.

Em resumo, a religiosidade na adolescência aparece como uma importante fonte de recursos aos adolescentes, sendo capaz de fortalecer o seu mundo íntimo e influenciar de maneira saudável o comportamento dos jovens. Na adolescência, essa etapa em que “se lhe fixam os caracteres, os hábitos e se delineiam as possibilidade de enriquecimento para o futuro (9, p.6)”, “a religião desempenha um papel importante na formação moral e cultural do adolescente, por propiciar-lhe a visão da imortalidade, dilatando-lhe a compreensão em torno da realidade da vida e dos seus objetivos essenciais”.

Destas passagens de Joanna de Ângelis, podemos destacar alguns elementos essenciais, que contribuem para entendermos como a religiosidade pode beneficiar o adolescente e, sobretudo, o Espírito Imortal. Na adolescência é que se fixam os caracteres, os hábitos e a religião, como um sistema de crenças, práticas e rituais, promulga, muitas vezes, hábitos de vida saudável e comportamentos pró-sociais. Nessa etapa da vida, em que o Espírito sofre acentuadamente a influência emocional das vidas passadas, é que a religião pode ajudar o Espírito a tomar novos rumos em sua existência, abandonando velhos hábitos, através de novos que lhe são apresentados. Joanna de Ângelis (10, p.44) esclarece que “(…) desidentificando-se de hábitos milenares, fixados, alguns, atavicamente, aos painéis do ser, gerando falsas necessidades, que se tornam fundamentais, portanto responsáveis pelos sofrimentos em suas várias facetas”. A Mentora (10, p.43) ainda indica a forma de prevenção/cura desses hábitos, já que “As atitudes que caracterizam a pessoa resultam do convívio social e das aspirações cultivadas (…)”. Ao que parece, a religião permite ao adolescente o entendimento de ser imortal que é e, assim, anelar aspirações saudáveis para cultivar hábitos saudáveis em sua vida.

Cabe ainda revermos a nota feita na Questão 685 de O Livro dos Espíritos:

(…) a educação. Não a educação intelectual, mas a educação moral, e não, ainda, a educação moral pelos livros, mas aquela que consiste na arte de formar caracteres, a que dá os hábitos: porque a educação é o conjunto de hábitos adquiridos. Quando se pensa na massa de indivíduos jogados cada dia na torrente da população, sem princípios, sem freios, e entregues aos seus próprios instintos, deve-se espantar das consequências desastrosas que resultam?

As partes em destaque foram salientadas pelo próprio Allan Kardec e, ao ler a nota do Codificador em seguida das passagens citadas de Joanna de Ângelis, parece que ambos conversam sobre o mesmo assunto. Quem sabe? O importante é que o adolescente é esse ser da massa de indivíduos que são jogados a cada dia na torrente da população – e do universo adulto – muitas vezes sem recursos e sem lastro moral para o enfrentamento das adversidades da vida.

Assim, a religião pode significar o acolhimento do adolescente em sua inteireza de espírito encarnado e o norte que o conduz aos valores eternos, ao contato com o Divino e o Sagrado, libertando-o da visão materialista e estreita da vida. Como aparato educativo, a religião pode ajudar o adolescente nessa etapa de transição, em que valores morais e o senso de espiritualidade podem ser fundamentais para o engajamento saudável do jovem na sociedade.

 Autor: Guilherme Jahn, estudante de psicologia, Departamento de Saúde Mental da AMERGS.

Referências

  1. Yonker, J. E., Schnabelrauch, C. A. & DeHaan, L. G. (2012). The relationship between spirituality and religiosity on psychological outcomes in adolescents and emerging adults: A meta-analytic review. Journal of Adolescence, 35, 299–314.
  2. Miller, W. R. & Thoresen, C. E. (2003). Spirituality, religion, and health: An emerging research field. American Psychologist, 58(1), 24-35.
  3. Good, M., Willoughby, T. & Busseri, M. A. (2011). Stability and change in adolescent spirituality/religiosity: A person-centered approach. Developmental Psychology, 47(2), 538-550.
  4. Good, M. & Willoughby, T. (2008). Adolescence as a sensitive period for spiritual development. Child Development Perspectives, 2(1), 32-37.
  5. Stolz, H. E., Olsen, J. A., Henke, T. M. & Barber, B. K. (2013). Adolescent religiosity and psychosocial functioning: Investigating the roles of religious tradition, national-ethnic group, and gender. Child Development Research, 2013, 1-13.
  6. Dias, M. L. V. (2011). Religiosidade e comportamento desviante na adolescência: Dados de um estudo empírico. Revista Portuguesa de Pedagogia, 45(1), 5-23.
  7. Stroppa, A. & Moreira-Almeida, A. (2008). Religiosidade e saúde. In: M. I. Salgado & G. Freire (Eds.), Saúde e espiritualidade: Uma nova visão da medicina (pp. 427-443). Belo Horizonte: Inede.
  8. Laird, R. D., Marks, L. D. & Marrero, M. D. (2011). Religiosity, self-control, and antisocial behavior: Religiosity as a promotive and protective factor. Journal of Applied Developmental Psychology, 32, 78-85.
  9. Franco, D. (2010). Adolescência e Vida – Pelo Espírito de Joanna de Ângelis. Retirado de http://www.luzespirita.org.br/leitura/pdf/L102.pdf em Agosto de 2014.
  10. Franco, D. (2010). O Ser Consciente – Pelo Espírito de Joanna de Ângelis. Salvador/BA: Livraria Espírita Alvorada Editora.