Evangelho, Saúde e Evolução

Na marcha incessante do tempo, seu inerente relativismo iguala dias a anos, minutos a eras. A estreiteza da vida material, contada do berço ao túmulo, não nos permite contemplar a evolução de fenômenos cujos ciclos ultrapassam nosso tempo histórico enquanto personalidades. Assim, a maior parte dos planos da Espiritualidade Maior para o orbe terrestre nos escapa a observação do conjunto, restando-nos um vislumbre fragmentado e incompleto. Associado a esta incompletude, a limitação de entendimento do Mundo Espiritual Superior e de seus propósitos divinos restringe ainda mais nossa capacidade de compreensão dos Planos de Deus e de sua influência indelével no curso da história planetária. Nesse cenário, o homem ora atribui a si próprio, se orgulhoso, os grandes acontecimentos que mudam o curso evolutivo de milhões de criaturas encarnadas, ora delega ao acaso aquilo que lhe escapa a percepção.

Guerras e alterações climáticas, ciclos econômicos globais e as reencarnações em massa de espíritos missionários, a descida de ideais superiores a crosta, enfim, compõe o influxo evolutivo da coletividade que tem no Mestre Jesus, o comandante sempre atento e diligente.

Há cento e cinquenta anos “descia” à terra o Evangelho Segundo o Espiritismo, inaugurando uma nova etapa evolutiva do planeta. Composição de muitas mentes, encarnadas e desencarnadas, é talvez a mais bela obra de colaboração entre os dois planos da existência. O Cristianismo em sua essência mais pura, mais bela, em meados do século XIX, passava então a ser mais bem compreendido. O verdadeiro código universal de conduta e de moralidade, vigente em todos os orbes evoluídos e felizes, em todos os recantos do Universo Infinito, enfim era oferecido, como prova da bondade e do amor infinito do Pai Celestial, aos atrasados e renitentes do planeta azul. A maturidade alcançada pelos espíritos do século XIX assim o exigia, dando sequência a multissecular programação de Jesus. Primeiro Ele enviara Moisés, João Batista e os profetas na antiguidade; após os grandes iniciadores, o Governador Espiritual do planeta viera a terra oferecer sua incomparável exemplificação do Evangelho, que seria esquecido, deturpado, adaptado conforme interesses políticos. Seria necessária a recapitulação das lições, quando o Espiritismo arrebata o mundo, retirando o véu das alegorias e das distorções, sintetizando no seu Evangelho a safirina luz que conduz as almas ao coração de nosso Pai. Era o terceiro momento, dos então chamados trabalhadores da última hora.

Tradicionalmente, considera-se o Evangelho uma obra essencialmente moral.

Nela, os ensinamentos mais profundos de Jesus são extraídos e comentados por Kardec e pelos Espíritos responsáveis pelo programa da Codificação, através de lúcidas instruções, aplicáveis a todas as situações da vida. No entanto, é possível olhá-lo de forma diferente. É possível perceber, em suas lições imorredouras, o mais perfeito tratado científico que jamais as ciências humanas imaginaram lograr. Um tratado de ciências psíquicas, que liberta o homem dos tormentos da alma, das patologias mentais, do aprisionamento em seu próprio ego; que salva o indivíduo do dualismo, do materialismo, da falta de rumo, da falta de sentido, do suicídio; que traz a misericórdia, a mansuetude e a brandura como prescrição obrigatória a obtenção da felicidade. Um tratado de medicina, pois aponta a cura de todos os males físicos pela evolução do espírito, dando um sentido lógico as moléstias incuráveis, as doenças de nascença, às mortes prematuras. Um tratado de economia, ensinando nossa condição de meros fiéis depositários do tesouro divino, responsáveis pela justa distribuição das riquezas. Um tratado de direito, preconizando a lei do amor, do perdão incondicional às faltas alheias, da caridade com os criminosos, da insensatez do duelo, da indissolubilidade do casamento.

O Evangelho detém, na singularidade de suas doces lições, extraídas da fonte suprema do Mestre Jesus, o poder de nos tocar as fibras mais delicadas da alma, precavendo-nos de um dos males mais perigosos da pós-modernidade: a do racionalismo puro, do intelectualismo orgulhoso, entronizando a razão como método único ao entendimento da vida e de suas leis. Fruto da vaidade dos homens, esquecidos que o Amor é a força máxima do universo, o racionalismo dogmático tantas vezes tem encontrado justificativas para as mais atrozes atitudes, em sistemas hediondos de dominação. Organizações políticas totalitárias para a promoção de uma suposta “justiça social”, extermínio de seres humanos por motivos vis, exploração de embriões indefesos para o “avanço da ciência”, o aborto generalizado como um exercício da autonomia da mulher, e tantas outras bandeiras fazem a alma humana confundir-se, quando apartada da bússola do coração, que a tudo harmoniza e conduz a Deus. O Evangelho de Jesus é, portanto, a síntese perfeita entre fé e razão, entre amor e conhecimento, entre teoria e exemplificação divina, tendo no Mestre Galileu a encarnação dos princípios superiores que objetivamos lograr.

A pandemia dos fenômenos obsessivos, responsáveis por males ainda insuspeitos, de ordem pessoal e coletiva, encontra do Evangelho o seu único e verdadeiro antídoto. Kardec já nos dizia que toda influência sobre os espíritos obsessores reside no ascendente moral, atestando a completa ineficácia de fórmulas e práticas exteriores.

Consciente da evolução da medicina e sabedor de que havia trazido ao mundo um tratado médico de 500 anos à frente de sua época, Kardec nos deixa, em seu último parágrafo de o Evangelho Segundo o Espiritismo, uma lição primorosa: “A obsessão muito prolongada pode ocasionar desordens patológicas e reclama, por vezes, tratamento simultâneo ou consecutivo, quer magnético, quer médico, para restabelecer a saúde do organismo. Destruída a causa, resta combater os efeitos.”

Como nada, na ação da espiritualidade maior, se dá de forma fortuita, vislumbramos aqui uma delicada mensagem de Kardec para a posteridade. Temos nesse pequeno parágrafo, que encerra a referida obra, uma consagração da necessidade de integração dos aspectos morais e espirituais àqueles relacionados à saúde dos seres humanos, em especial no que tange aos processos obsessivos. Kardec convoca os médicos do futuro (um futuro que já chegou, diga-se de passagem!) ao tratamento consecutivo ou simultâneo, de modo a atuar tanto nas causas quanto nos efeitos, tanto no espírito, quanto no corpo físico. E vai além: mesmo quando resta encerrada a obsessão espiritual, muitas vezes pela pertinácia do obsessor e pelo longo tempo de atuação sobre o enfermo, cabe a medicina colaborar no reequilíbrio do paciente. A medicina do porvir deve seguir o exemplo da Obra da Codificação: uma fraterna integração colaborativa entre os dois planos da existência.

Nos grandes ciclos da evolução histórica, temos o período preparatório, no qual as idéias são lançadas de modo ainda embrionário, como uma experiência de campo no grande laboratório humano. A seguir, o programa adianta-se a uma fase de semeadura efetiva, onde a semente é lançada ao solo, de modo a aguardar a madureza dos tempos.
Por fim, temos a colheita, quando a idéia longamente preparada atinge o período de exuberância e não pode mais ser ignorada. Transitamos, nos tempos modernos, rumo à terceira etapa, em que o Evangelho será a árvore frondosa sob a qual os humildes, os brandos, os pacíficadores, os misericordiosos, os puros e os justos abrigar-se-ão felizes e em regozijo, porque souberam inscrever em suas consciências, de modo inapagável e para os séculos sem fim, as lições do Evangelho de Jesus.

Dr. Paulo Rogério Dalla Colletta de Aguiar
Presidente da AMERGS biênio 2015-2017