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O Ser Humano, ao demandar a vida na terra, encontra muitas vezes por oferta uma série de possíveis prazeres, de busca de conforto e segurança, da procura da felicidade. No entanto, neste interim, é acossado por inúmeras intercorrências que o levam ao experimento da dor, nos flagelos sociais, nas distonias mentais, nos conflitos familiares e até mesmo na visita da morte, revestida de doenças abruptas ou prolongadas que inviabiliza-lhe a movimentação no corpo e o fruir dos sentidos.
Frente a esta inconstância – que, em diferentes graus, é peça constituinte da vida – há aqueles que acreditam na existência como eterno gozo, a fim de aproveitar o tempo que lhes resta, apegados às ilusões da juventude e assustados pelo fantasma da velhice. Outros, buscam no status e na locupletação material uma espécie de sentido, que lhes falta, pois tais aquisições não são portadoras por si só da verdadeira paz, que jamais vem descarregada dos sentimentos morais profundos a que destina-se o Espírito. Conforme nos alerta o Espírito Carlos, em psicografia de João Nunes Maia: “as coisas falsas, embora brilhem mais que as verdadeiras, não permanecem clareando” (Gotas de Ouro).
Diante dos embates humanos entre a vida e a morte, surgem as mensagens divinas, por vezes disfarçadas de provações, sem as quais não nos movimentaríamos ainda rumo ao alcance de patamares maiores de entendimento. Toda a vez que nos encontremos cerceados por dificuldades atrozes, lembremos de Jesus que, macerado na cruz, antevia as moradas espirituais de que procedia, desejando a nós que ficávamos o verdadeiro perdão das ofensas às leis maiores, enquanto atestávamos nossa ignorância em frente ao nobre exemplo deste Ser de Luz.
A perspectiva da dor sem solução, do sofrer sem remédio assusta-nos o ser, por vezes despreparado pela visão materialista da vida, ou por uma religiosidade empobrecida, entre os símbolos de céu e inferno tão distantes de nossa realidade. Circunstâncias em que surgem as pretensas soluções imediatas, a fim de dar cabo a dor, aparentemente sem sentido, diante de algo que nos soa como fim, ainda que não o seja.
É neste contexto que se apresenta a eutanásia, sorvida na forma de injeção letal, sob o pretexto de “trazer a paz” àquele que estertora, mas que merece ser devidamente esclarecida, em face da continuidade do Espírito após estes momentos afligentes.
Aceita em países como França, Alemanha, Áustria, e Holanda, por exemplo, é classificada no Brasil como atitude criminosa, embora vez por outra ocorra disfarçadamente em procedimentos paralelos que acabam por ter o mesmo fim. De uma forma ou de outra, constitui uma das pautas atuais das importantes discussões em bioética. Confluindo os termos gregos eu e thanatos (“morte boa”), tal prática é proposta por sincera esperança de aliviar do sofrimento, para alguns, ou de inconsciente desconsideração pela vida, para outros, dentre seus diferentes defensores.
Fossemos seres puramente materiais, fadados a extinguir-nos com a disjunção molecular, a proposta apresentar-se-ia talvez como um alivio a dor alheia, em nosso intento de auxílio. A espiritualidade que nos cerca, no entanto, alerta-nos para outro nível de causas e consequências, onde pretensas soluções podem tornar-se, em verdade, geradoras de maiores dores ao Espírito que somos. O inverso também se verifica, uma vez que beneficiamo-nos de situações por vezes dolorosas, conforme às tomarmos por aprendizado. Nossas necessidades, como seres imateriais, vão muito além daquelas que distinguimos no “mundo das formas”.
Diante das quase infindáveis dores em que se encontra o indivíduo e a família em casos de coma profundo, de morte certa, de dores sem trégua e sem previsão de recuperação, de que adiantaria a espera? Por que não abreviar uma dor sem sentido?
Em 1860, Allan Kardec questionou aos Espíritos sobre o tema, cuja resposta veio a constituir o item 28 do capítulo quinto de O Evangelhos Segundo o Espiritismo:
“Um homem agoniza, presa de cruéis sofrimentos. Sabe-se que o seu estado é sem esperança. É permitido poupar-lhe alguns instantes de agonia, abreviando-lhe o fim?”

E obteve como resposta, assinada pelo Espírito São Luis:

“Mas quem vos daria o direito de prejulgar os desígnios de Deus? Não pode ele conduzir um homem até a beira da sepultura, para em seguida retirá-lo, com o fim de fazê-lo examinar-se a si mesmo e modificar-lhe os pensamentos? A que extremos tenha chegado um moribundo, ninguém pode dizer com certeza que soou sua hora final. A ciência, por acaso, nunca se enganou nas suas previsões?
Bem sei que há casos que se podem considerar, com razão, como desesperados. Mas se não há nenhuma esperança possível de um retorno definitivo à vida e à saúde, não há também inúmeros exemplos de que, no momento do último suspiro, o doente se reanima e recobra suas faculdades por alguns instantes? Pois bem: essa hora de graça que lhe é concedida, pode ser para ele da maior importância, pois ignorais as reflexões que o seu Espírito poderia ter feito nas convulsões da agonia, e quantos tormentos podem ser poupados por um súbito clarão de arrependimento.
O materialista, que só vê o corpo, não levando em conta a existência da alma, não pode compreender essas coisas. Mas o espírita, que sabe o que se passa além túmulo, conhece o valor do último pensamento. Aliviai os últimos sofrimentos o mais que puderdes, mas guardai-vos de abreviar a vida, mesmo que seja apenas um minuto, porque esse minuto pode poupar muitas lágrimas no futuro.”
(O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. V item 28. Grifo nosso)

Em perspectiva esclarecida, o desenlace do Espírito, que abruptamente ou gradualmente despede-se do envoltório corporal, é sim momento derradeiro na terra, mas em vista de seu aproveitamento da experiência fruída, possibilitando-lhe maiores esclarecimentos da fase nova da Vida, ou prolongamento momentâneo das dores que o perseguem.

A família ante a eutanásia

Impossível pensar-se esse assunto sem o entrelaçamento à dinâmica familiar, que de formas variadas atingem a todas as criaturas no planeta. Formada frequentemente por desafetos do passado, e alguns espíritos afins – conforme nos revelam os Espíritos envolvidos na codificação da Doutrina Espírita – , a união familiar tem por vias diluir débitos do passado através da repetição e/ou variação de posições parentais, permitindo, assim, a reedição de velhos conflitos na proposta de empreitadas edificantes, por vezes muito angustiosas, mas também libertadoras ao acessar e movimentar os escaninhos profundos de nosso inconsciente, de nossas personalidades ainda um tanto grosseiras.
Assim, a família – célula elementar da sociedade, delimitando as relações primárias do indivíduo com o meio a que pertence – constitui-se de valorosa escola pela qual todos temos a oportunidade de exercitar as capacidades morais necessárias a nosso ser, em vias de sua jornada evolutiva pelas diferentes etapas de nossa ascensão espiritual. Não por acaso foi elegida por Confúcio, e outros sábios orientais da antiguidade, como o grande modelo a pautar as relações morais desde o camponês ao príncipe, em diretriz política e social herdada para a China milenar, ainda que alterada desde priscas eras.
Se, por desgosto ao círculo em que formos originados, renegarmos totalmente à família, afastarmo-nos da sociedade e buscarmos a vida eremita, vinculado às cavernas, à fuga para natureza e demais lugares ermos, ainda assim carregaríamos a população de “vozes internas” que inunda-nos o ser, em uma enxurrada inconsciente a pedir-nos resolução. São as imagens psicológicas que guardamos das figuras parentais e “dos outros” em geral, e das quais não poderemos livrarmos, muito menos em atos de revolta para com a vida, identificando-nos com suas demandas ou combatendo-as desesperadamente. Necessitam, na verdade, serem superadas em busca do autoconhecimento, a fim de que reintegremos estes sentimentos e pensamentos harmoniosamente, visto serem nada mais do que projeções inconscientes de nossos próprios complexos não solucionados, a ressoar sob a figura do próximo, estando este envolvido ou não com a conflitiva que abateu-nos.
Partindo do ponto de vista do indivíduo, atitudes autodestrutivas – como o alcoolismo, a drogadição, o suicídio, e demais comportamentos de risco – tendem a trazer uma boa parcela inconsciente de tentativa de livrar-se desta multidão de vozes internas, das opiniões familiares, que lhe torturam a personalidade devido a incompreensão de uma ou de ambas as partes. Destruindo-se, desta forma, destrói-se também os outros que “habitam” em nós, como fantasiosamente se acredita nestes momentos infelizes.
Partindo do ponto de vista dos demais familiares, o parente que sofre é convite declarado para que todos revejam pensamentos e sentimentos, a fim de direcionar suas atitudes à cooperação com o outro. Trabalho este que tem início em nosso próprio aprendizado, revendo em que a dor alheia tem a nos ensinar, seja pelas virtudes ou tropeços destes entes queridos. Pois não basta apontarmos os males – isto todos fazem –, o mérito está em emularmos em nós as possíveis soluções, colocando-nos no lugar do próximo na busca de melhores resoluções morais.
O enfermo que estertora mobiliza em todos os mais variados conjuntos de sentimentos; como o medo e impotência diante da morte; de que não amamos aquele ser o quanto devíamos; a revolta diante da doença, da própria Vida, e da Divindade. É também ponto de união, onde os familiares veem-se em necessidade de esforçarem-se e sustentarem-se diante da prova em questão.
Situações limites como esta tendem a testar nossas fibras morais, auxiliando a flexibilização de nossas certezas diante da vida e morte, inicialmente para suportarmos o ocorrido, e finalisticamente como despertamento para as maiores reflexões acerca da sobrevivência do Espírito e suas consequências em nossa vida diária.

Vida e Sociedade

Aos idos tempos de Esparta, a mais belicosa cidade-estado a compor a península grega, defrontávamos com uma sociedade sem espaço para aqueles considerados inválidos, de alguma forma. Os bebês que nascessem com deformidades eram atirados de penhascos, a fim de se estabelecer uma sociedade “perfeita” em suas funções corporais. O infanticídio era acompanhado, também, do descarte aos mais velhos, incapazes de lutar. Descendente dos Dórios – um dos últimos povos a se estabelecerem violentamente na região do Peloponeso, em regime de combate aos demais vizinhos –, o considerado cidadão espartano, entre outras coisas, era o que estivesse pronto para a guerra, em uma sociedade altamente excludente e moralmente aquém de seus contemporâneos atenienses, mais evoluídos em termos artísticos e filosóficos.
Ainda anteriormente, em algumas tribos paleolíticas que habitaram ao redor do mundo, como ainda o há em pequenos focos, abandonar os mais velhos a própria sorte era uma forma de garantir a sobrevivência do bando, uma vez que estes eram considerados um peso aos demais. Incapazes de caçar e necessitando de cuidados maiores, entravavam-lhes o movimento nômade que lhes era característico, na busca de zonas com maiores recursos alimentícios.
Contemporaneamente, uma visão utilitarista do indivíduo – classificado apenas por sua capacidade de produção, ou então de “constituir biografia”, conforme alguns controversos filósofos contemporâneos – ganhou corpo junto à visão materialista que instaurou-se nos meios médicos e científicos em meados do século XIX. Materialismo, este, decorrente do movimento cientificista, interessado em exaltar alguns ramos da ciência mecanicista como expressão máxima da realidade, na verdade, em interpretação limitada e unilateral de ambas.
Por este viés, a vida nada mais se constitui do que um caminhar preciso em direção a morte, à finitude, onde dar-se-ia o encerramento total daquilo que o indivíduo um dia foi. Em revolta declarada aos dogmas impostos pela religião controladora, como principal motivo, a ciência ganhava em técnica e perdia em sabedoria, em espiritualidade.
Em algumas correntes radicais (mas não hegemônicas) da bio-medicina e da filosofia da ciência contemporânea (ex: Francis Crick e casal Churchland), seriamos assim considerados robôs biológicos, onde nossas mentes deixam de existir com a morte do cérebro e dos sistemas cardíaco respiratório. Descartáveis, portanto, quando em vias de inutilizarmo-nos fisicamente, por esta visão.
Em contraponto, uma série de renomados cientistas vêm propondo uma visão diferente do aspecto mente e cérebro, desde o próprio René Descartes (pai do mecanicismo-cartesiano), a nomes atuais como Karl Popper, Pin Van Lomel, Mario Beuregard, entre outros. Impulsionados principalmente pelas chamadas Experiências de Quase Morte (EQM), onde pacientes ressuscitados verbalizam uma série de vivências fora do corpo físico, caracterizadas por conteúdo paradoxal. Nestas vivências, relatam encontros com parentes desencarnados, saídas do corpo, e relatos de procedimentos cirúrgicos discutidos junto a eles ou em salas separadas.
Podemos considerar como o início de uma mais expressiva consideração da vida após a morte nos meios médicos e científicos. Tal constatação, que ganha espaço aos poucos em nossa sociedade, vem trazer-nos uma série de reposicionamentos em nossa forma de viver e ver a vida. Traz consequências inevitáveis para assuntos contraditórios, por vezes tidos como “liberalizantes”, tal os flagelos da drogadição, do aborto intencional e da interrupção ativa da vida em intervenções hospitalares, como no caso da eutanásia e do suicídio assistido.
A descoberta da dimensão espiritual – faixa primordial da realidade que a todos cerca – vem a somar-se com destacada importância às debatidas dimensões psicológicas, biológicas e culturais do ser humano, encadeando-as para uma compreensão ainda mais ampla, complexa e integral do fenômeno da vida.

O efeito da eutanásia sobre o Espírito desencarnante

André Luiz, médico desencarnado na primeira metade do século XX, nos relata um interessante caso, através da psicografia de Francisco Cândido Xavier, onde é possível sentir-se os efeitos atordoantes do desligamento abrupto entre espírito e corpo, através da eutanásia. Se encontrava a equipe de André Luiz na esfera espiritual da vida, cooperando cirurgicamente para o desenlace de Cavalcante, moribundo, com vistas a diminuir o impacto que sentiria com seu falecimento iminente, que se daria de forma natural em algumas horas.

“O clínico, todavia, não se demorou muito, e como o enfermo lutava, desesperado, em oposição ao nosso auxílio, não nos foi possível aplicar-lhe o golpe extremo. Sem qualquer conhecimento das dificuldades espirituais, o médico ministrou a chamada “injeção compassiva”, ante o gesto de profunda desaprovação do meu orientador [espiritual].
Em poucos instantes, o moribundo calou-se. Inteiriçaram-se-lhes os membros, vagarosamente. Imobilizou-se a máscara facial. Fizeram-se vítreos os olhos móveis.
Cavalcante, para o espectador comum, estava morto. Não para nós, entretanto. A personalidade desencarnante estava presa ao corpo inerte, em plena inconsciência e incapaz de qualquer reação.
Sem perder a serenidade otimista, o orientador explicou-me:
– A carga fulminante da medicação de descanso, por atuar diretamente em todo o sistema nervoso, interessa os centros do organismo perispiritual. Cavalcante permanece, agora, colado a trilhões de células neutralizadas, dormentes, invadido, ele mesmo, de estranho torpor que o impossibilita de dar qualquer resposta ao nosso esforço. Provavelmente, só poderemos libertá-lo [do corpo] depois de decorridas mais de doze horas.
E, conforme a primeira suposição de Jerônimo, somente nos foi possível a libertação do recém-desencarnado quando já haviam transcorrido vinte horas, após serviço muito laborioso para nós. Ainda assim, Cavalcante não se retirou em condições favoráveis e animadoras. Apático, sonolento, desmemoriado, foi por nós conduzido ao asilo de Fabiano [local na espiritualidade], demonstrando necessitar maiores cuidados.”
(André Luiz. Obreiros da Vida Eterna. Psicografia de Francisco Cândido Xavier. Cap. 18. FEB, 2011)

Assim, como em diversos exemplos, o corpo morre, mas a alma prossegue, com sofrimento maior ou menor conforme o apego com o corpo ou a sutilização dos laços espírito-matéria. As horas finais de Cavalcante não apenas eram-lhe necessárias para reflexões conclusivas desta encarnação (conforme maiores informações na obra em questão), como pudemos compreender que a própria interrupção arbitrária da vida em injeção letal gerou-lhe grande mal-estar desnecessário.

Medida preparatória

Considerando a importância dos momentos derradeiros do ser, ainda que dolorosos, relatemos aqui determinado caso narrado por um dos médiuns de nossa seara de atuação espírita. Encontrava-se sua família a duras lágrimas em vista de sua avó, que devido a problemas vasculares seguidos de parada cardíaca adentrou-se em coma profundo, carregando todos a um estado crônico de espera angustiosa entre a vida e a morte.
Após meses nesta situação, os familiares obtiveram auxílio em atividade mediúnica, onde os venerandos orientadores informaram a condição da enferma: estava em processo preparatório que lhe definiria, na verdade, a qualidade de sua entrada completa no mundo dos Espíritos. Amada por todos os familiares, trazia, porém, determinado caráter combativo e exigente, muitas vezes marcado pelo rancor. A senhora, naquele momento, defrontava-se com inúmeros perseguidores espirituais que lhe acompanhavam em vida, e que esperavam seu desencarne para dar continuidade a processos obsessivos mais severos. Movidos, estes, pela ideia da vingança, por conflitos de vidas passadas.
Seu período de coma, que durou mais de ano e meio, seria uma intervenção da espiritualidade superior em seu proveito, devido a outros méritos seus. Afastada parcialmente do corpo pela situação em que se encontrava, a irmã antevia o mundo espiritual com maior clareza, teimosa mas assustada, e deliberava com seus mentores a mudança de estado mental em que se arraigava. A situação a se definir, portanto, clamava pela prece de todos.
Nosso colega, na época em despertar abundante de suas faculdades mediúnicas, evitava injustificadamente a visita ao leito hospitalar da avó amada. Após ponderar com clareza, aquiesceu em encontrá-la, ainda temendo maiores abatimentos psicológicos. A visão da senhora inerte, no entanto, lhe despertou profunda compaixão. Captando-lhe as emanações mentais, deu início quase que imediatamente a processo telepático involuntário, em que visualizou a enferma um pouco mais resoluta de sua passagem, mas apegada apenas a preocupações com determinada filha que lhe dependia financeiramente e afetivamente, em situação psicológica um tanto emaranhada.
Tal informação, que até então era ignorada por este companheiro, foi comunicada aos membros próximos do grupo familiar, que tomaram por resolução educar a parente a autogerir-se. Em conversa junto a senhora em coma, uma de suas filhas pediu que não se preocupasse com isso, pois todos dariam o devido auxílio emocional a outra filha, que não ficaria sozinha no mundo.
Dentro em breve, a senhora abandonava o corpo físico, rumando definitivamente para a Vida Maior, mais esclarecida e preparada. Nas primeiras horas após o desenlace, ainda foi-lhe permitido despedir-se do neto (o colega em questão), desta vez através do processo de clariaudiência, com emocionantes palavras que lhe marcaram o íntimo, a atestar-lhe a vida após a morte.
Tão digna é a vida em suas inúmeras manifestações! Ainda que debatemo-nos com seus impositivos ela visita-nos com novos ares de esperança confirmando a importância de sermos pacientes e confiantes em nossas caminhadas. Como no caso exposto, o caminho da senhora se cruzava aos demais, não isentando-a de seu livre arbítrio e individualidade, mas convidando todos a elevarem-se em conjunto, no abandono das atitudes errôneas do passado que tenham vindo a delimitar a necessidade coletiva de tamanha expiação.
O valor da família, consanguínea ou espiritual, fortalece-nos a caminhada. O convívio pode ser desafiador, por vezes, ainda assim é sempre tempo de esperanças, pois o Espírito prossegue, defrontando-se com aquilo que abandonou, descobrindo tesouros na alma onde jamais esperava encontrar.
Cabe a família, portanto, o dever de buscar elevar-se mutuamente, não dependendo uns dos outros para a tarefa que compete ao indivíduo, mas buscando apoiar-lhes nas dores, suportar-lhes os confrontos, impulsionar-lhes ao bem, em proposta de benefício a todos. Neste meio, nossa visão da vida – materialista e orgulhosa, ou pautada na transcendência do espírito e valorização do outro – influi muito na forma como lidaremos com as situações limites.
Como Espíritos em regime de encarnação momentânea, nossa sublime caminhada ascensional, como não se restringe a nossa encarnação atual, não raro tem encontrado dificuldades de ser valorizada em nossas metas pessoais, tão esquecida frente aos “chamados do mundo”, assim que adentramo-nos na reencarnação e na vida diária. Esquecemos assim, com facilidade, aquelas diretrizes nobres assumidas por nós mesmos frente a perspectiva de uma nova vida no mundo. Afogadas no inconsciente, tendem a ressurgir em propostas criativas, em ensejos de elevação moral e aquisição cultural, ou então mediante dores afligentes, conforme nossa surdez aos seus chamados anteriores, ou conforme o plano inevitável para experiências libertadoras.
O Espiritismo vem convidar-nos ao reconhecimento dos seres espirituais que somos, anteriormente, concomitantemente e após a visita ao corpo denso através da reencarnação. Ao contrário do que pensam alguns, nossa vida espiritual não começa no desencarne, visto que a vivemos desde já, apesar de a percebermos de forma confusa, ofuscada pelo efeito da matéria e do esquecimento natural das vidas passadas. Somos verdadeiros dínamos de energia a irradiar nossos pensamentos e sentimentos ao nosso redor, em um intenso intercâmbio com os seres desencarnados que nos cercam, podendo estes se afinar a nós com propostas elevadas ou não.
É como se a sintonia espiritual em que nos encontramos, decorrente de nossos atos e reflexões morais, constituísse a verdadeira “matéria” que nos reveste, influenciando nosso corpo físico, nossa dinâmica de atração ou repulsa nos convívios sociais e até mesmo os rumos de nossas mais profundas inquirições, independentemente de quão puramente racionalizados nos imaginemos. É neste contexto que devemos voltar nossa atenção para as qualidades íntimas do Ser atentando aos sentimentos e pensamentos que lhe caracterizam, pois influem no grande momento da transição, ocasionado pela morte física.
Uma passagem “bem sucedida”, com o esforço possível em elevar-se o pensamento pelo grupo familiar, confere àquele que parte maior cabedal de proteção, uma vez que mais dificilmente sentirá à distância os sentimentos coletivos de revolta e pessimismo que lhe embargariam a adaptação ao mundo espiritual. Não pensemos que isto se trata de desdém pela morte ou pelos seres queridos, dos quais sempre sentimos a falta, mas proposta sincera e resignada de reeducação espiritual, no lento acostumar-se em encarar a vida como continuidade. Proposta difícil, por vezes, porém meritória, a gerar frutos para nós e para aqueles que nos cercam.
Tão rico o valor do minuto daquele que se encontra nos ímpares estados de aflição, ainda que isso estranho nos pareça. Quão consoladoras podem ser as visitas de entes queridos, tomadas por “alucinações do momento final” – uma vez que passa-se a ver e cumprimentar aqueles que “já se foram”. Como nos conclama O Evangelho Segundo o Espiritismo, façamos o máximo para lhes diminuir as dores, porém jamais cessemos a vida.
Não raras vezes é o minuto que o ser precisa e merece para realinhar-se momentaneamente em vias de adentrar a pátria espiritual com maior desprendimento das dores que passa, maior perdão para com a vida, maior preparo junto aos seres amados que lhe esperam em festa.
A mediunidade, atestando a continuidade das consciências ao esfacelamento do corpo, abre aos campos científicos, religiosos, éticos e filosóficos toda uma gama de reflexões paradoxais, que convidam-nos a uma mudança profunda de entendimentos.
As comunicações de nossos queridos desencarnados desvelam-nos outro lado da vida, salientando causas e efeitos que para nós passam constantemente despercebidos, mas que, para eles, são fatores altamente determinantes: a influência que exercemos uns sobre os outros através das correntes de pensamentos; a ininterrupta ação dos espíritos desencarnados sobre a vida daqueles que ainda transitam na carne; o estado de consciência a que nos deparamos segundo os apegos, vícios ou virtudes a que nos entregamos em vida; as próprias reflexões do ser em vias da eternidade…
Uma vez que conferimos a realidade da vida após a morte, em suas múltiplas expressões, torna-se impossível nos mantermos alheios às perspectivas esclarecedoras que surgem, senão voluntariamente presos à ignorância sobre nossa própria natureza. As reflexões acerca das graves consequências da eutanásia ao indivíduo, na família e na vida total, encontram-se entre os chamados de nossa Era, convidando-nos a harmonizar diretrizes sociais com o equilíbrio intelecto-moral que nos é possível adquirir.

Autor: Alexandre Fontoura dos Santos